Pão de leite e especiarias de fermentação natural

Comecei a escrever estas linhas no Instagram e depois entusiasmei-me com o assunto e fiquei sem caracteres para continuar. ? Portanto, aqui estou eu num post do blogue com partilhas! Não podem ser sempre e só receitas! ?

No IG começava assim: Nem vos digo! Já vou na terceira fatia e estou numa pausa só para vos vir fazer crescer água na boca. ? Não é esse o objetivo, mas quase de certeza que é o que vai acontecer. ?

Para quem não sabe o pão de fermentação natural não leva fermento químico, nem aquele seco granulado, nem o de padeiro (que pode ser conhecido por fermento fresco).
Tudo começa em casa, num singelo frasco de vidro, onde se junta na mesma proporção água mineral (mesmo mineral, da engarrafada, porque faz toda a diferença! Nem vos conto o que aconteceu à minha primeira tentativa em que usei água da torneira, ou se calhar conto no fundo do post) e farinha (no meu caso uso farinha integral de espelta de agricultura biológica) e espera-se que o milagre se dê. Queremos que as bactérias boas do ar se juntem ao preparado e o transformem em fermento natural. A mistura de farinha e água irá, com o passar dos dias, ganhar umas bolhinhas e crescer. Todos os dias terá de ser alimentada, isto é, terá de se juntar todos os dias mais uma porção de farinha e de água até que esteja bem ativa. A foto é miserável, mas ilustrativa. A risquinha azul no vidro do frasco indica o tamanho real da massa e assim conseguem ver o quanto ela cresceu! Não é incrível?!

massa mãe, a minha Francisca
massa mãe, a minha Francisca

A essa mistura chama-se massa mãe, fermento natural, isco, entre outros. Também é usual dar-lhe um nome, até porque com o passar dos dias nos afeiçoamos a ela de tanto que a cuidamos para a ver crescer. Mais vale tratá-la pelo nome. ? A minha é a Francisca! É uma cultura viva! ? E pode durar anos, se bem cuidada. Claro que há truques e outros detalhes que não estou aqui a referir, mas é mesmo simples assim: água e farinha, muita intuição e a mãe natureza em ação! ?

E o pão que me trouxe aqui é maravilhoso! Desta vez usei apenas metade da dose de isco, para ver se o sabor mais ácido e característico desaparecia e achei que não iria funcionar. Normalmente, usando fermento natural, prepara-se o pão no final do dia para levedar durante toda a noite e cozer pela manhã. Por isso se chama muitas vezes pão de fermentação lenta. Pois, este de manhã não tinha crescido, nem um bocadinho! Temi o pior. Fiz de conta que me esqueci dele, até porque não sabia bem o que fazer para remediar, e liguei a luz do forno para a temperatura ficar mais compostinha. A meio da tarde já estava um niquinho maior. Fiquei em pulgas. ? Pus os miúdos a dar-lhe porrada, literalmente, e depois moldei-o um pouco e atirei-o para a forma onde iria cozer.

detalhe do labor dos miúdos
detalhe do labor dos miúdos

Aguardei mais um pedaço até ele voltar a parecer querer crescer (santa paciência… praí 2h!) e só aí o levei a cozer (já era hora de jantar).

Ficou delicioso. Fofo e sem aquele sabor ácido. Claro que esta é uma receita adocicada, mas, mesmo assim, acho que a solução foi reduzir a quantidade de isco. E depois ter muito mais paciência até que a massa dobrasse. ?

amarelinho do açafrão, cheiroso da canela e de outras que tais
amarelinho do açafrão, cheiroso da canela e de outras que tais

Mas valeu a pena! Estou com sérias dificuldades em deixar o pão sossegado! É de comer e chorar por mais!!

Procurem por massa mãe na Internet e não vos faltarão sítios com informação sobre como começar. Eu li imensas fontes antes de me aventurar.

Fiz a minha massa com (afinal vai sair uma receita!):
50g de farinha integral de espelta biológica (prefiram as biológicas porque têm mais nutrientes bons onde as bactérias se reproduzirem)
50g de água mineral

Misturei bem com um garfo e deixei o frasco com a tampa apenas pousada (para que o ar pudesse entrar sem ter de bater à porta ?) num local sem correntes de ar e com luz indireta.

Alimentei-a uma vez por dia, durante 7 dias, com as mesmas quantidades. Ou mais do que uma vez por dia se visse que ganhava o tal líquido que se separa da mistura. Em casas mais quentes ela ativa-se muito mais facilmente. Vi isso acontecer aqui por casa. Nos dias em que a cozinha aqueceu um pouco mais, com a utilização do forno principalmente, a Francisca cresceu muito rapidamente e teve fome várias vezes ao dia.

Mudei de frasco de 2 em 2 dias, isto é, virei a mistura que já tinha para outro frasco limpo e juntei a farinha e a água nova a esse novo frasco. Isto para me certificar que só se proliferavam bactérias boas e não más, nas paredes do frasco, por exemplo, onde podem acumular-se bocados de massa seca de quando se mexe a mistura.

Se em poucos dias a mistura se apresentar como a que vos trouxe como exemplo já a poderão usar numa primeira experiência. Não é mesmo preciso esperar os 7 dias. Mas pode acontecer que não se ative tão rapidamente, ou devido à temperatura da casa, ou devido às bactérias de cada casa e, nesses casos, terão de ser mais pacientes. Quando já estiverem com a massa mãe ativa e souberem que não vão precisar de a usar muitas vezes podem guardá-la no frigorífico. Ela irá manter-se viva, mas inativa. Quando estiverem a pensar fazer um pão tiram do frio e colocam na bancada à temperatura ambiente e ativam-na com um pouco de alimento (farinha e água mineral na mesma proporção). Se usarem água morna irá acontecer o milagre da ativação (??) um bocadinho mais depressa. Depois de ganhar bolhinhas e crescer retiram a porção necessária à receita escolhida. Repõem a quantidade que tiraram e colocam novamente no frio ou deixam ativar à temperatura ambiente para uma nova receita. Por exemplo, se retirarem 100g de massa mãe terão de repor 50g de água + 50g de farinha.

Agora, perdida por cem, perdida por mil. O post já vai longo, mas quem tiver curiosidade sobre o assunto pode continuar a ler. ?

Dicas: se o líquido aparecer por cima podem descartar. Li vários testemunhos que referiam que esse líquido é responsável pelo sabor ácido do pão e que se puder ser descartado diminui a sua intensidade. Claro que se aparecer em baixo (como veem na foto) ou mesmo a meio ficará difícil de descartar, por isso, não se preocupem, só deitam fora se for viável.

Água da torneira não funciona? Porquê? Não sei explicar, mas sei que li em diversas fontes que tinha de ser mineral. Julgo que a presença de cloro da água da torneira impede o processo de se desenrolar naturalmente. Como não tenho água engarrafada em casa demorei para começar esta aventura e a minha mãe começou de imediato após as nossas leituras conjuntas. A massa mãe dela cresceu em poucos dias e ficou muito viçosa e borbulhenta. Ah, e com um cheiro bom, semelhante a iogurte, à falta de melhor descrição. Quando comprei a minha garrafa comecei a aventura, mas, como não estou habituada a ter garrafas de água por casa, usei água da torneira algumas vezes, sem me aperceber de imediato. Cresceu na mesma, borbulhou também, mas apareceu um cheiro na minha cozinha que nem dá para descrever. Só sei que um dia o mais velho perguntou-me se eu não sentia um cheiro esquisito, que parecia a lixo, mas que não era bem igual, porque já tinha ido cheirar o caixote e nem era parecido (Coitado!). E, de facto, eu também sentia e pensava que era normalíssimo, só que não! Se vos cheirar mal, deitem fora e comecem de novo, num frasco limpo!

As bactérias boas presentes na massa mãe ajudam a digestão e diminuem o inchaço que alguns sentem quando comem pão. E, notícia melhor ainda, é possível fazer massa mãe de muitas farinhas, mesmo sem glúten, como trigo sarraceno, por exemplo! A de centeio parece ser a mais rápida de todas a ativar.

Apesar de vos ter contado como fiz, acho importante que leiam outras fontes. Fazer massa mãe é simples, mas exige uma certa dose de intuição que só saberão pôr em prática se estiverem bem informados.

Podem começar um pão numa sexta ao final da tarde e só o conseguirem comer na tarde de domingo, mas aposto que vai ser espetacular! E com miúdos é uma maravilha! O meu mais velho, com apenas 7 anos, passou pelo frasco um desses dias e disse: «mamã, a Francisca tem fome!» ? Voltem a ver a foto, de cima, da Francisca, e vejam como o frasco, no fundo, parece mais escuro. É um líquido que se separa e que nos deixa perceber que precisa de ser alimentada. Podia aparecer no fundo, a meio da mistura ou mesmo no topo, e seria tudo normal. O mais pequeno, que fará 3 anos no final deste mês, também já sabe que temos massa mãe. Certo dia, no carro, estava a perguntar-me se tínhamos massa para o jantar e enumerou as cores das nossas massas: «temos massa verde [de ervilha], amarela [de milho], vermelha [de tomate], preta [de feijão-preto], massa mãe…» Morri de riso e orgulho também, depois expliquei-lhe que a massa mãe não era para comer no jantar com a comidinha, mas que servia para fazer pão. E ele ajudou-me a terminar o raciocínio! ?

Boas aventuras!

Outros artigos

0 0 votos
Avaliação
Subscrever
Notificar
guest
0 Comentários
Mais antigos
Mais novos Mais votados
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários